Redação SAFERN
novojornal.org.br
“Pode anotar o que eu digo: vai haver mais mortes, essa não foi a última”. A declaração apocalíptica é de Felipe Augusto Leite(foto), presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol Profissional do Rio Grande do Norte (Safern). O desabafo do dirigente veio logo após a tragédia acontecida na manhã de ontem. Um dia depois de fazer aniversário, o meia do Potiguar de Mossoró, Neto Maranhão, de 29 anos, sofreu uma parada cardiorrespiratória no meio de um treinamento e, sem atendimento imediato, já chegou sem vida ao hospital.
A morte do atleta deixou o futebol potiguar de luto - a Federação Norte-riograndense de Futebol (FNF) determinou que na rodada de abertura do Campeonato Potiguar seja observado em todas as partidas um minuto de silêncio - e, antes de mais nada, chama a atenção para o problema enfrentado pelo futebol local, que ainda carrega bagagens do amadorismo. Sem respeitarem a lei, os clubes não acompanham a saúde de seus profissionais e deixam brechas para um futuro tenebroso.
O presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol Profissional do Rio Grande do Norte (Safern) é bem claro quando prevê mais nuvens negras pairando nos campos dos clubes potiguares. Felipe Augusto se diz indignado com o que aconteceu com Neto Maranhão e com a maneira que ele enxerga que o futebol é levado pela FNF. “Estou revoltado com isso, indignado. Mas sabe quem é o maior culpado? Têm vários, mas a federação é a maior culpada”, acusou o presidente da Safern, demonstrando revolta.
Para Felipe Augusto, a morte do meia Neto Maranhão só reacende as denuncias quwe o sindicato vem fazendo há anos, denúncias essas que segundo ele não são levadas em conta. “Vivemos cobrando que os clubes assinem as carteiras de trabalho dos profissionais e ofereçam condições dignas de trabalho, paguem os salários em dia, e etc. Mas ninguém está nem aí. A federação se omite ao dizer que não compete a ela, e os clubes não ligam. Resultado: mataram o rapaz”, desabafou.
No ano passado o Safern cobrou uma atuação mais enérgica por parte do Ministério Público do Trabalho no sentido de que as obrigações sociais dos clubes fossem cumpridas. O resultado foi um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado “que cobrava, nada mais nada menos, que a profissionalização do futebol no estado”. Com isso os clubes se prontificaram a tomar todas as medidas trabalhistas cabíveis, incluindo fazer o acompanhamento médico dos atletas.
Não há médicos trabalhando diariamente nos treinamentos em praticamente todos os clubes do interior do estado – inclusive o Potiguar de Mossoró. De acordo com Felipe Augusto Leite a situação é de amadorismo, realidade que só poupa os grandes da capital. “A exceção é de ABC e América, e olhe lá porque tem treino que não tem médico”, alertou.
Felipe Augusto afirmou ainda que após o episódio da morte de Neto Maranhão vai pedir mais uma vez no Ministério Público do Trabalho que os clubes potiguares cumpram a lei e pede para que a FNF mostre “moralismo” e organize uma campanha para fazer os integrantes federados cumpram as leis e dêem seguro trabalhista aos profissionais. “Eu sei que a federação não tem obrigação disso, mas é uma questão de moralismo fazer algo. Não pode é na hora tirar a ‘bunda’ da reta”, disparou.
JOGADOR NÃO TEVE ATENDIMENTO IMEDIATO
O treino de ontem começou cedo. Por volta das 8h30 os atletas entraram no campo de treino no clube, que faz a pré-temporada no Hotel Thermas, em Mossoró. Foi no intervalo entre a primeira e segunda etapa, um treinamento físico leve com bola, que Neto Maranhão começou a passar mal.
Os jogadores bebiam água e conversavam quando veio o mal súbito. Era em torno de 9h30. O jogador desmaiou e foi amparado pelos companheiros, que passaram a entrar em desespero. Sem a presença de um médico no local, o preparador físico e o massagista do clube tentaram reanimar Neto Maranhão com respiração boca a boca e massagem cardíaca, mas não tiveram êxito.
Já consideravelmente abalados emocionalmente com a situação, os colegas levaram o até então camisa 10 do time e um dos principais destaques do Time Macho para a temporada 2013 nos braços até o carro de um dos funcionários. Nele, transportaram Neto Maranhão direto para o Hospital Regional Tarcísio Maia, num percurso que durou cerca de três minutos.
Mesmo com todo o esforço dos colegas de equipe, o atleta não resistiu e chegou já sem vida à unidade de saúde, como afirmou o médico do hospital, Hélio Jales. “O jogador deu entrada no nosso serviço do pronto-socorro sem vida, mas tentamos e fizemos todas as medidas possíveis de ressuscitação cardio-respiratória, mas não tivemos êxito”, disse.
O médico comentou ainda que caso o atendimento tivesse sido realizado de forma mais rápida e o jogador fosse amparado com equipamentos certos, a chance de Neto Maranhão estar vivo agora seria bem maior. “Quanto mais rápido um paciente é atendido e com um equipamento adequado, de certeza ele teria uma chance bem maior”, explicou.
Em entrevista ao canal TCM, de Mossoró, o auxiliar técnico do Potiguar, Edinho Cardoso, disse que o meia vinha treinando normalmente e que foi surpreendente o que aconteceu.
Natural de São Domingos-MA, Neto Maranhão tinha completado 29 anos no dia anterior à sua morte. Experiente, tinha passagens por clubes como Santa Cruz-PE, Corintians de Caicó, Campinense-PB, Salgueiro-PE, América Mineiro e Treze de Campina Grande-PB.
Ontem à noite, no estádio Nogueirão, jogadores, membros da comissão técnica e torcedores do Potiguar fizeram o velório do atleta. Hoje seu corpo deve chegar a sua terra natal, onde será enterrado.
Médico diz que exames devem ser anuais
Roberto Vital, médico do ABC e membro do Conselho de Medicina Paraolímpico do Rio Grande do Norte, foi taxativo ao falar da importância dos exames médicos – que em geral é um eletrocardiograma de repouso e de esforço, feito em esteira ou bicicleta – antes dos atletas começarem qualquer tipo de atividade física. “É fundamental porque dá uma segurança pra quem vai fazer a atividade física, porque muitas vezes o indivíduo nem sabe que está com aquele problema”, explicou.
De acordo com Vital, o diagnóstico é muito confiável já quem em 98% dos exames o problema será detectado. Mas ele alerta que alguns fatores externos podem causar mudanças na saúde do atleta. “Há fatores que mudam. Se você usa drogas, talvez lá na frente apresente problemas, mesmo fazendo o exame hoje. Um aneurisma mesmo pode interferir. Também nada impede que futuramente, com o esforço físico, pode ter alteração na condição do atleta”, afirmou o médico.
O profissional do ABC diz que em média os exames devem ser feitos anualmente e que é ideal fazer um check up antes de qualquer atividade que exija esforço físico, inclusive treinos de pré-temporada, algo que não aconteceu no Potiguar de Mossoró.
POTIGUAR DIZ QUE AINDA ESTÁ FAZENDO TESTES
Procurado pela reportagem do NOVO JORNAL, o gerente de futebol do Potiguar de Mossoró, José Neto, relatou que o clube ainda faz os exames médicos em seus jogadores com poucos dias antes da estréia do Campeonato Potiguar 2013. Ele admite que é um erro, mas que, além de não haver condições de fazer o procedimento médico no período certo, “nenhuma equipe faz”.
“O certo é fazer o exame quando o cara chega, mas nenhuma equipe faz isso. Não estamos numa equipe que tem condições, aí infelizmente temos que trabalhar assim”, confessou, informando que ainda há jogadores que vão fazer seus exames.
Em pré-temporada desde o início de dezembro do ano passado, apenas amanhã, todos os atletas do potiguar terão passado pelo médico. Por fazer o serviço numa clínica particular de Mossoró, o gerente de futebol disse que os exames vêm sendo feitos aos poucos, dividindo os jogadores em grupos de três.
O Potiguar não é o único, como alertou Felipe Augusto, da Safern e José Neto, do Potiguar. A reportagem também apurou que, neste ano, Palmeira de Goianinha e Corintians de Caicó – antigo clube de Neto Maranhão – também não realizaram exames físicos em seus atletas.