Assim como já regia a Constituição Federal, o Capítulo V da Lei Pelé, prevê em seu artigo 42 a distribuição, entre os atletas de futebol profissional, de parte da renda negociada pelos clubes para transmissões de eventos esportivos do qual participem. Veja a íntegra do artigo 42.
Artigo 42 - Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.
§ 1 - Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.
§ 2 - O disposto neste artigo não se aplica a flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins, exclusivamente, jornalísticos ou educativos, cuja duração, no conjunto, não exceda de três por cento do total do tempo previsto para o espetáculo.
§ 3 - O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipar-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do Artigo 2 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Historicamente, no entanto, poucas foram as vezes em que um atleta recebeu alguma renda referente a valores negociados entre os clubes e as redes de televisão. Os atletas sequer sabiam o valor dos contratos para fazer a cobrança dos 20% previstos em lei, uma vez que não tinham acesso a seus termos. Os clubes não pagavam e simplesmente retinham a verba toda. Na prática esse direito não estava sendo respeitado. Na tentativa de mudar este triste estado de coisas, o SAFERJ começou a agir, encaminhando a Clubes, Federações, redes de tv e CBF, ofícios solicitando acesso aos tais contratos.
Tais correspondências jamais foram respondidas pelos clubes e ou Federações, que nem se davam ao trabalho de justificar com alguma desculpa, o fato de esconderem os contratos. Um claro desrespeito ao atleta e à entidade que o representava e que mostrava com clareza a despreocupação dos dirigentes em cumprir a lei.
Os anos se passaram e o quadro não se modificava. Até que o Sindicato teve acesso a alguns contratos, de forma não-oficial, trazidos por um ex-dirigente de clube. Uma bomba! Eram documentos originais e cópias autênticas dos contratos de transmissões esportivas atuais e antigas – provas suficientemente fortes para embasar uma ação de cumprimento dos direitos previstos.
De posse desse valioso acervo, a diretoria do SAFERJ, convocou uma reunião com os principais sindicatos de atletas de futebol do País. Estiveram presentes, além do SAFERJ, os sindicatos de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Ao fim do encontro não restavam dúvidas de que as possibilidades de êxito numa ação judicial contra os clubes eram efetivas. Decidiram os presidentes por uma ação única conjunta para ter um peso maior, em nome de cada um dos quatro sindicatos, que cobrava os valores passados, o acesso dos sindicatos aos contratos futuros e de, como representantes dos atletas, receberem os valores para repasse. Uma revolução. Assim, em 1997, era dado o primeiro passo da longa luta estava dado.
Ação interposta, restava aos reclamantes esperar por uma decisão. A má vontade eterna dos dirigentes em reconhecer o direito fazia julgar que muitos recursos ainda seriam feitos para protelar a decisão. Num dado momento, o juiz responsável pelo processo, determinou que os valores referentes ao percentual previsto na lei fossem recolhidos e depositados em juízo para decisão posterior. A partir desse momento os clubes passaram a sentir em seus orçamentos o que seria viver sem os valores que estavam habituados a considerar em seus orçamentos.
Em 1999, a Rede Globo de Televisão fechou com os clubes um contrato milionário, em dólares americanos. Isto fez com que a pressão da ação fosse ainda maior sobre os clubes já que os valores eram superiores aos contratos até então firmados. O impasse continuava. Os jogadores não recebiam e os clubes reclamavam. Alegando que aquela verba retida em juízo prejudicava e levaria os clubes a uma situação insustentável, dirigentes tentavam convencer os atletas de que os clubes não podiam cumprir seus compromissos com eles, exatamente por causa da ação. A verdade é que apenas os 20% ficavam retidos e o restante (80%) continuava sendo recebido pelos clubes. A tentativa era de colocar a categoria contra seu próprio sindicato e formar uma opinião contrária à ação. A entidade seria o algoz de seus representados e os levaria a perdas financeiras – fato que jamais o sindicato permitiria que acontecesse.
A Rede Globo de Televisão, muito interessada no produto futebol - indubitavelmente um excelente negócio – começou a tentar um primeiro passo para um acordo. O Sindicato foi procurado e não se furtou a abrir um canal que pudesse levar ao acordo. A razão era simples. A ação levaria muitos e muitos anos, entre 8 e 10 anos. Já corria o ano de 2000, portanto a ação já tinha 3 anos, e não havia sequer como vislumbrar um desfecho para ela. Um acordo poderia garantir o recebimento do direito de arena para os jogadores atuais, desde que os sindicatos tivessem acesso aos contratos e que tais valores fossem diretamente distribuídos aos atletas.
A pressão era para que o sindicato desistisse da ação. Mas isto jamais seria feito. Um acordo foi o caminho mais sensato. Com a ajuda do Dr. José Carlos Alves, advogado ligado ao sindicato paulista, foi iniciada uma conversa com a direção do Clube dos Treze, uma entidade que representava os grandes clubes do país. Com interesse também de colocar um ponto final naquela ação, o Clube dos Treze negociou em nome das demais federações e da CBF, que eram as partes citadas na ação. Assim, em Setembro de 2000, foi assinado o acordo entre os sindicatos e as entidades representantes dos clubes.
O Acordo
Pelo acordo, os sindicatos receberiam os valores que coubessem aos atletas em cada competição, responsabilizando-se pelo repasse. O percentual acertado então foi de 5% sobre o valor total do contrato. Num primeiro momento, sem uma análise mais aprofundada, o percentual é, aparentemente, uma grande perda para a categoria, uma vez que a Lei dizia 20% e o que ficou acordado foram apenas 5%. Mas os sindicatos jamais fariam qualquer acordo que prejudicasse os seus filiados.
Os contratos entre os clubes e as redes de televisões eram unicamente sobre os valores de transmissão dos jogos. Assim, para dar um exemplo claro, num contrato de R$ 100 mil, os atletas receberiam R$ 20 mil. Mas os dirigentes, por estratégia própria, fracionaram o valor total do contrato em diversos itens. Assim, o valor total inicial do contrato, era dividido em percentuais destinados às despesas com viagens, prêmios extras de cada competição, utilização de emblemas e outros itens mais. Com essa estratégia, coube, a título de valor de transmissão 18% do total do contrato – no nosso exemplo, sobrariam apenas R$ 18 mil para rateio entre os atletas e sobre este seriam aplicados os 20% da lei. É incrível. Mas é a verdade. Pelo acordo os 5% incidiriam sobre o valor total do contrato passando a valer muito mais do que os 20% previstos em lei. Veja o exemplo:
1. 20% sobre R$ 18.00,00 = R$ 3.600,00
2. 5% sobre R$ 100.000,00 = R$ 5.000,00
Pelo acordo ainda, todos os valores retidos judicialmente até a data de sua assinatura (aproximadamente R$ 15 milhões) foram levantados pelo Clube dos Treze, para repasse aos clubes e federações.
Fica evidente que foi um acordo que possibilitou um ganho já, e em percentuais vantajosos para o atleta. O Sindicato fez um acordo possível, viável e aceito pelos clubes, e que possibilitou que os atletas passassem a receber, finalmente, um valor referente às transmissões esportivas.
Antes do fechamento do acordo, todos os sindicatos fizeram reuniões com os capitães das equipes e depois com todos os atletas explicando todas as questões que envolviam o direito de arena e, claro, recolhendo as assinaturas em atas, que avalizaram o entendimento.
Em 2001 muitos atletas de grandes clubes brasileiros viveram, em determinados momentos, do direito de arena, graças a este acordo. Os clubes estavam atrasando salários e prêmios e somente os sindicatos repassando o direito de arena, constituíam, em alguns casos, a única renda dos atletas para sustento de suas famílias. E o acordo vale judicialmente para os 4 sindicatos que propuseram a ação, porém, com a atuação da FENAPAF – Federação Nacional dos Atletas profissionais de Futebol – este acordo se estendeu, através de contrato de adesão á ação, a outros estados (Norte, Nordeste, Paraná e Santa Catarina). Atletas que jamais receberiam algum percentual, hoje recebem dos sindicatos esse valor.
Desde 2001 é certo e sem atrasos. Ao final de cada competição os sindicatos repassam os valores que cabem aos atletas. Os campeonatos anteriores a Copa João Havelange em 2000, poderão ser cobrados na justiça já que o acordo prevê somente pagamento a partir daquele ano. Esse foi outro benefício gerado pelo acordo, pois os atletas que estavam indo para justiça cobrar campeonatos passados, tinham suas ações prejudicadas, sob a alegação que já que havia uma ação coletiva em curso, fato que por questões jurídicas impedia que as ações individuais andassem de forma normal.
O acordo foi uma vitória. Por mais que alguns ainda queiram desvaloriza-la. Além de mostrar a força e o fôlego para enfrentar tamanha briga, foi criada, a partir dela, uma relação mais respeitosa e até mais inteligente entre os representantes de atletas e os de clubes. Tal relação só poderá trazer benefícios para o esporte e para aqueles que efetivamente fazem tudo acontecer. Nessa nova visão, atletas e clubes são parceiros, são sócios, pois um não sobrevive sem o outro.